INTRODUÇÃO
Muitos tem dito que o crente tem duas cidadanias, isto é, é tanto cidadão do país celestial como de um país terreno. Veremos nesta apostila que no sentido de “cidadania” mais comum, a verdade é que o crente só possui uma cidadania: a do país celestial.
CIDADANIA EXTERNA E CIDADANIA INTERNA
A cidadania possui dois sentidos: um externo e outro interno. No sentido externo, a cidadania é um meio de organização do mundo. Ora, o planeta Terra, sendo tão grande precisa ser dividido em jurisdições e ter certas normas de controle para não viver um caos. A cidadania no seu sentido exterior se encaixa aí. Através da identificação da cidadania, se sabe a que normas de controle alguém está sujeito. Por exemplo, a cidadania é pré-requisito para empregos, essencial para obtenção de passaportes, no caso de viagens para o exterior, etc. Nesse sentido o crente tem cidadania terrena, pois ao ter cidadania exterior, ele não perde a característica de um peregrino em terra alheia e em direção ao verdadeiro lugar de morada que é o céu, mas unicamente ele se sujeita a norma de organização que contribuem para impedir o caos, o descontrole organizacional do mundo. Sem se encaixar dentro dessa organização o crente não poderia viver na terra normalmente, pois não teria acesso a empregos, teria dificuldade em viajar para o exterior, etc.
Apesar de existir como demonstramos, o sentido externo de cidadania, o sentido normalmente usado para ela é o sentido interno. Neste aspecto, a cidadania envolve a sensação interna de que o país é nosso, os seus interesses são os nossos, devemos lutar pelos interesses políticos do país, etc. Os que consideram intimamente “cidadãos” costumam reivindicar direitos não em nome da justiça, mas em nome de sua condição de “cidadão”. Nesse sentido de consideração íntima, o crente não é um cidadão terreno, mas unicamente um cidadão celestial. Quando um crente vai as urnas durante as eleições para não para não prejudicar o seu título, o qual é requisito para empregos, passaportes etc., ele mostra que tem cidadania externa, isto é, que se aplica as condições organizacionais do mundo. No entanto, quando no seu voto, ele vota nulo ou em branco, ele mostra que não se considera intimamente como sendo cidadão terreno. Ele não tem preferência por um governante, pois não se sente desse reino, antes se sente do Reino de Deus, o qual já tem seu próprio governante.
Paulo, que tinha duas cidadanias externas (romana e judaica), mostra que não se considerava intimamente cidadão:
“Se algum outro julga poder confiar na carne, ainda mais eu: ... hebreu de hebreus ... Mas o que para mim era lucro passei a considerá-lo como perda por amor de cristo ... sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como refugo, para que possa ganhar a Cristo” (Filipenses 3:4-8)
Paulo era hebreu (cidadania externa), mas não se considerava (não tinha cidadania interna).
No caso dos hebreus, onde religião e Estado se confundiam, a cerimonia religiosa da circuncisão era ao mesmo tempo o meio de adquirir a cidadania. O judeu prosélito, isto é, alguém de outra nação que aceitava a circuncisão, ganhava a cidadania judaica. Paulo, no entanto, faz questão de dizer que era “hebreu de HEBREUS”, não era cidadão meramente por proselitismo. Apesar disso, não considerava sua cidadania.
Jesus era cidadão (sentido externo) judaico (João 4:9; Lucas 2:21) mas não se considerava intimamente (João 18:36). Ele nunca tomou para si os interesses políticos da nação. Os judeus temiam exatamente que todos se tornassem discípulos de Jesus, perdendo os interesses políticos, e assim facilitando o domínio romano sobre Israel (João 11:48)
A Bíblia diz que a nossa pátria está nos céus:
“... os quais (os ímpios) só cuidam das coisas terrenas. Mas a nossa pátria está nos céus ... “ (Filipenses 3:19-20)
TEXTOS QUE APRESENTAM DIFICULDADES
Dois textos em Atos apresentam algumas dificuldades. Vejamos o primeiro:
“Mas Paulo respondeu-lhes: Açoitaram-nos publicamente sem sermos condenados sendo cidadãos romanos, e nos lançaram na prisão, e agora encobertamente nos lançam fora?...” (Atos 16:37)
Paulo aí não quis mostrar que intimamente se considerava cidadão romano, pois só disse que tinha cidadania (exterior) romana, quando já tinha sido açoitado, e isso não poderia ser mais evitado. Paulo, portanto, se não quisesse ser açoitado, não era pelo fato de ser romano, mas pela justiça correta. Paulo como romano, poderia mover um processo de reparação dos danos que lhe foram causados, pelo fato de ser romano, mas não alegou isso. Paulo simplesmente revelou sua condição exterior de cidadão romano, sem pleitear os direitos decorrentes disso. Paulo revelou sua condição exterior de romano no período em que ele já estava saindo daquele lugar (Atos 16:40), portanto não foi em seu benefício, mas em benefício dos cristãos que ficariam, pois os magistrados ficariam mais receosos de punir os cristãos.
Vejamos o segundo versículo que apresenta dificuldades:
“Quando o haviam atado com as correias, disse Paulo ao centurião que ali estava: É-vos lícito açoitar um cidadão romano, sem ele ser condenado? ” (Atos 22:25).
Neste texto, vemos a sabedoria do apóstolo. Como cidadão do Reino de Deus, ele não podia exigir proteção por ser romano, poderia com fundamento na justiça, mas não na cidadania terrestre, pois não a considerava. Paulo não alegou ser romano, ele simplesmente fez uma pergunta, e essa levou o carrasco a deduzir que Paulo era romano, amedrontando-o, isto é, ao carrasco. É interessante notar que mais na frente Paulo afirma ser romano, mas não por sua iniciativa, e sim, como resposta a uma pergunta (Romanos 22:27). Paulo aqui escapa da punição, ao ser descoberto como romano, mas ele não reivindicou o escape por ser romano, ele simplesmente deu indícios que levaram o carrasco a fazer a dedução que ele era romano, e a imaginar erradamente que ele iria usar sua cidadania em defesa, trazendo temor ao carrasco.
Vejamos para concluir, citações interessantes:
“O primitivo cristianismo foi pouco entendido e foi considerado com pouco favor pelos que governam o mundo pagão... Os cristãos recusavam-se a participar em certos deveres dos cidadãos romanos ... Não aceitavam ocupar cargos políticos” (On The Road To Civilazation, A World History (Filadélfia, EUA, 1937), de A. Heckel e J. Sigman, pp. 237, 238).
“Os cristãos se mantinham alheios e separados do estado, como raça sacerdotal e espiritual ... “ (The History of Christian Religion and Church, During the Three First Centuries – Nova Iorque, 1848 – de Augusto Neander, traduzido do alemão por H. J. Rose, p. 168).
Pastor Glauco Barreira M. Filho
(Texto originalmente datilografado)
Créditos da digitação: Heberth Ventura
Glória a Deus