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Os Valdenses e suas crenças


Crédito da imagem: Warley Frota



A origem do movimento valdense é frequentemente atribuída ao século XII, com Pedro Valdo como seu fundador. No entanto, essa visão tem sido objeto de inúmeras discussões e debates que não analisaremos aqui. Com uma avaliação cuidadosa das evidências históricas disponíveis, torna-se evidente que há diversas razões para afirmar que Pedro Valdo não foi o originador do movimento valdense.


Antes de apresentarmos essas razões, é importante destacar que a Igreja Católica medieval sustentava a narrativa de que os valdenses tiveram início com Pedro Valdo. A motivação para isso era clara: admitir que perseguiam um grupo com raízes no cristianismo primitivo — e que preservava uma fé mais pura e fiel que a tradição romanista — seria altamente inconveniente.


Os principais estudiosos do movimento valdense, como J. Paul Perrin (1603-1626), Samuel Morland (1625-1695), Jean Léger (1625-1670) e Peter Allix (1641-1717), apontam em suas obras diversas evidências de que os valdenses remontam ao século IV, e alguns até ao período apostólico. O historiador protestante Antoine Monastier (1774-1852) também argumenta em favor dessa tese, apresentando três razões principais:


  1. Pedro Valdo não poderia ter sido o fundador dos valdenses na França, pois sua pregação teve início apenas por volta de 1180.

  2. Confissões de fé preservadas até os dias de hoje, como a Nobre Lição — datada de 1100 e arquivada em universidades renomadas, como Cambridge — demonstram que o movimento valdense já existia antes de Valdo.

  3. Documentos de 1160 e 1189, como os escritos de Eberhard de Béthune, referem-se aos fiéis de sua época como “valdenses” devido aos vales densos onde viviam, e não por causa de Pedro Valdo.

  4. Esses fatos indicam que o movimento valdense antecede o homem que se tornou seu principal líder. Mas, afinal, quem era Pedro Valdo?

 

PEDRO VALDO – SUA VIDA E CRENÇAS

 

Pedro Valdo foi uma figura central no movimento valdense, mas não foi o único líder de destaque na história do grupo. Séculos antes dele, dois homens se sobressaíram por sua oposição às heresias de sua época e por sua defesa da pura doutrina da Palavra de Deus: Vigilâncio, no século IV, e Cláudio de Turim, no século IX. Ambos protestaram veementemente contra os desvios doutrinários da Igreja Católica e foram precursores de uma fé mais bíblica e reformadora.


Pouco se sabe sobre os primeiros anos de Valdo. Até mesmo seu nome é motivo de debate, pois não há registros históricos que comprovem que “Pedro” fosse, de fato, seu nome de batismo. Esse título só aparece em documentos cerca de 150 anos após sua morte. Além disso, há a possibilidade de que "Valdo" tenha sido um apelido derivado da conexão com os valdenses, e não um sobrenome próprio.


Embora sua data de nascimento seja incerta, muitos especulam que tenha ocorrido por volta de 1140. O que se sabe com maior segurança é que ele nasceu em uma família de artesãos ricos na cidade de Lyon, onde se tornou um comerciante bem-sucedido, acumulando grande fortuna e prestígio. Além disso, era casado e tinha duas filhas.


Pedro Valdo chegou à fé no Evangelho por meio da leitura das Escrituras. O evento que o levou a buscar a salvação em Cristo e a verdadeira paz para sua alma foi a morte repentina de um amigo, que ocorreu enquanto jantava com um grupo de companheiros. Esse acontecimento marcante abalou profundamente sua consciência, levando-o a refletir sobre a brevidade da vida, a condição de sua alma e a fragilidade das riquezas terrenas.


Como católico, Valdo não encontrou nas tradições e ritos romanistas as respostas que seu coração ansiava. Determinado a descobrir o caminho verdadeiro, voltou-se para as Escrituras. Contudo, encontrou uma grande dificuldade: a Bíblia estava escrita em latim, língua que ele ainda não dominava completamente.


Para superar essa barreira, Valdo decidiu traduzir a Bíblia para a língua comum de sua região. Graças à sua considerável riqueza, contratou estudiosos e especialistas em escritos sagrados para auxiliá-lo nessa tarefa. Entre eles estavam Estevão de Ansa, um gramático e linguista; Bernardo de Ydros, um habilidoso copista; e João Lugio, um renomado estudioso bíblico.


Foi por meio da leitura das Escrituras que Pedro Valdo encontrou a verdade e se converteu à fé bíblica.


O desejo de Pedro Valdo em obedecer a Deus era tão intenso que ele buscava retornar ao cristianismo primitivo em sua totalidade, não apenas na doutrina, mas também na prática. Decidiu, então, viver de maneira simples, desapegando-se das riquezas e ajudando os necessitados. No entanto, sua atitude não foi impulsiva nem desprovida de discernimento.


Diferente da ideia de uma renúncia irrestrita, Valdo agiu com sabedoria ao administrar seus bens. Em vez de distribuir indiscriminadamente toda a sua riqueza, ele deliberou cuidadosamente com sua família. Deixou sua esposa responsável pelos recursos que possuía e garantiu às suas filhas uma quantia significativa em dinheiro.


Seu verdadeiro anseio, contudo, era compartilhar com os outros a verdade que havia descoberto nas Escrituras. Para ele, a caridade não se resumia apenas a oferecer pão para o corpo, mas, acima de tudo, a apresentar o verdadeiro Pão da Vida: Cristo Jesus.


Pedro Valdo rapidamente atraiu muitas pessoas à fé, não apenas por sua generosidade material, mas principalmente por seu ensino das Escrituras. Com coragem e zelo pelo Evangelho, tornou-se um habilidoso professor e expositor da Palavra de Deus. Determinado a alcançar o maior número possível de pessoas com a mensagem da cruz, dedicou-se a copiar trechos da Bíblia para que o povo comum tivesse acesso às Escrituras. Seus discípulos, conhecidos como Os Pobres de Lyon, juntaram-se ao movimento valdense e espalharam sua mensagem por várias regiões.


Seu ministério teve um impacto significativo ao longo de aproximadamente 21 anos. Durante esse período, Valdo viajou extensivamente pela Europa, pregando e ensinando. Após iniciar sua obra em Lyon, foi expulso da cidade e seguiu para Dauphiné. Mesmo perseguido, continuou a difundir a fé, alcançando regiões como Picardia e diversas partes da Alemanha. Por fim, estabeleceu-se na Boêmia, onde passou seus últimos anos e faleceu de morte natural.


Na Boêmia, Pedro Valdo teve uma atuação marcante, conquistando muitas almas para a fé. Seus discípulos chegaram até o grupo liderado por John Huss, que surgiria na mesma região. O impacto de Valdo não se limitou à sua geração, mas ecoou ao longo dos séculos.


No século XVI, Matias Flácio Ilírico (Matthias Illyricus, 1520-1575), um renomado discípulo de Martinho Lutero, exaltou a vida e o legado de Valdo em sua obra Catalogus Testium Veritatis ("Catálogo das Testemunhas da Verdade"), publicada em 1556 e 1562. Nela, destacou o caráter moral de Valdo, sua erudição, zelo, paixão pelas almas e profundo compromisso com as Escrituras. Dessa forma, o movimento valdense foi reconhecido como parte da verdadeira e fiel Igreja de Cristo que existia antes da Reforma Protestante.


Os valdenses possuíam credos bem definidos, fundamentados exclusivamente na Bíblia. Protestavam veementemente contra todo o sistema romanista, rejeitando práticas como a confissão auricular a sacerdotes, a penitência, a doutrina do purgatório e o batismo infantil. Além disso, opunham-se firmemente à tirania papal e à hierarquia clerical, defendendo uma fé simples, baseada apenas na autoridade das Escrituras.


Os valdenses eram professores dedicados e evangelistas fervorosos. Há relatos de um deles que, movido por seu compromisso com o Evangelho, nadou através de um rio congelado, em plena noite de inverno, apenas para alcançar um católico que desejava conhecer mais sobre a salvação em Cristo. Eram homens de fé integral, que enxergavam suas vocações, fosse como mercadores ou em ocupações mais simples, como oportunidades para glorificar a Deus e levar a mensagem da fé aos corações.


Seus métodos evangelísticos eram bem organizados e estrategicamente aplicados a qualquer pessoa com quem tivessem a oportunidade de compartilhar a fé. Pregavam nas ruas e nas praças públicas, e sob a liderança de Pedro Valdo, cada novo convertido era incentivado a tornar-se um pregador do Evangelho, mesmo que fosse um simples artesão.


Além disso, os valdenses mantinham uma escola de treinamento para líderes e irmãos comuns. Esse seminário teológico, conhecido como uma espécie de "escola de profetas", ficava estrategicamente localizado nos vales, onde a solidão e a tranquilidade proporcionavam um ambiente propício ao estudo e à preparação ministerial. Lá, os pastores valdenses realizavam conferências e reuniões para discutir assuntos relacionados ao Reino de Deus. Segundo relatos históricos, em determinada ocasião, essa escola chegou a reunir cerca de 140 ministros, em uma época de grande crescimento do movimento, antes da perseguição católica reduzir e dispersar seus números.


A primeira coisa que faziam nesta escola era memorizar a Palavra de Deus. As porções mais importantes e até livros inteiros eram memorizados. Valdo também se preocupou em compilar um tratado sobre as frases dos principais pais da Igreja. Isso porque muitos os acusavam de serem ignorantes da tradição dos primeiros séculos. Como apologistas, eles usaram frases dos pais da igreja para responder e mostrar que as práticas católicas não estavam em conformidade com a verdade das Escrituras. Para Valdo, a Bíblia era a autoridade suprema e infalível. Eles acreditavam na total suficiência das Sagradas Escrituras e o lema Valdense era obedecer a Deus sem reservas.






Heberth Ventura



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Referências


MITCHELL, A.W.  The Waldenses : sketches of the evangelical Christians of the valleys of Piedmont. Philadelphia: Presbyterian Board of Publication, 1853.


MONASTIER, A. Histoire de l'Eglise vaudoise. Vol. 1. Geneva: Kessmann, 1847.


__________________. A History of the Vaudois church from its origin, and of the Vaudois of Piedmont to the present day. New York: Lane & Scott, 1849.


PERRIN, J. P.  The bloudy rage of that great antechrist of Rome and his superstitious adherents, against the true church of Christ and the faithfull professors of his gospell: Declared at large in the historie of the Waldenses and Albigenses, apparently manifesting vnto the world the visibilitie of our Church of England, and of all the reformed churches throughout Christendome, for aboue foure hundred and fiftie years last past. Tradução: Samson Lennard. London: Richard Field, John Beale, Eliot's Court Press,Thomas Snodham, 1624.


TRON, B. Pierre Valdo et les pauvres de Lyon. Pignerol: Imprimerie Chiantore et Mascarelli, 1879.

4 Comments


Wagner da Silva Lopes
Wagner da Silva Lopes
há 4 dias

Deus é fiel, Sempre preserva um povo fiel às sagradas escritura. Podemos ver em Pedro Valdo e tantos outros líderes do movimento essa disposição de servir a Deus mesmo nas adversidades.

Toda glória seja dada a Deus e ao seu Filho Jesus

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Jæīř Fıłhø
Jæīř Fıłhø
há 4 dias

👏🏽👏🏽

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Virginia andrade
Virginia andrade
há 6 dias

👏🏻👏🏻👏🏻

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Guest
há 7 dias

👏🏽👏🏽

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