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Os Albigenses e as suas crenças

Atualizado: 24 de fev.


Crédito da imagem: Heberth Ventura



A origem dos Albigenses é complexa e envolve diversos fatores. Um dos desafios enfrentados pelos historiadores é a disseminação de vários grupos anabatistas, provenientes de correntes migratórias, pela Europa Ocidental. Esses grupos se uniram de tal forma que, em muitos casos, torna-se difícil distinguir a quais tradições pertenciam ou se, de fato, eram Albigenses. Além disso, estabelecer um marco temporal preciso para a origem desse movimento ainda é um ponto de debate.


Mas de onde vem o nome Albigenses? A designação deriva de Albi (antiga Albiga) e só passou a ser amplamente utilizada a partir de 1163, no Concílio de Tours. O historiador francês Pierre Allix (1641–1717) acreditava que, já antes de 1026 (século XI), existia um grupo de irmãos na Itália que se opunham às heresias da Igreja de Roma e condenavam seus erros. Embora o termo Albigenses ainda não tivesse surgido nesse período, é possível que esses cristãos fizessem parte da mesma tradição. Outros estudiosos ressaltam que os primeiros escritores que mencionaram os Albigenses os descrevem como um grupo de origem muito antiga.


Entre as fontes do final do século X e a primeira metade do século XI, destacam-se os cronistas francos Adémar de Chabannes (998-1034) e Raoul Glaber (985-1047), que denunciavam aqueles que se opunham à Igreja Romana como maniqueístas. Além disso, a obra desses autores registra informações sobre mártires – possivelmente Albigenses – que foram queimados entre 1015 e 1025 em Toulouse e em Orleans (1022).


As cidades de Albi e Toulouse, na França, foram os principais centros do movimento Albigense. A partir desses locais, os Albigenses se espalharam por diversas regiões, experimentando um crescimento significativo. Curiosamente, mesmo em áreas onde já existiam igrejas verdadeiramente constituídas, Deus abençoou grandemente os esforços de evangelização entre eles, resultando em um notável despertar evangélico medieval.


O grupo Albigense se espalhou amplamente pela Europa a partir do século XII. O estudioso protestante David Eustache (1595-1672) estimou que quase 800.000 mártires Albigenses foram mortos entre 1160 e 1630. As cruzadas contra os Albigenses evidenciam essa realidade histórica, demonstrando que a trajetória do movimento foi marcada por sangue e fogo.


Para concluir essas informações históricas, podemos afirmar que, por volta do final do século XI e início do século XII, os Albigenses já possuíam uma variedade de escritos, que incluíam obras teológicas, polemistas e até poesias. Embora parte desse material não tenha sido preservada, é possível descrever suas ideias com base na fé bíblica, apesar das injúrias lançadas contra o movimento. De acordo com Adam Blair, os Albigenses dessa época estavam longe de ser uma igreja recém-formada.


Entre seus principais líderes, destaca-se Arnaud Hot, um pastor Albigense altamente capacitado e defensor fervoroso da fé bíblica. Outros líderes importantes mencionados por historiadores incluem Pedro de Bruys e Henrique de Lausanne. Através da pregação de Pedro de Bruys, o grupo teve uma significativa propagação entre 1120 e 1125, abrangendo desde o Rodano até a Languedoc, e continuou a se expandir em Toulouse nos anos de 1130. Henrique, um ex-monge beneditino, deu continuidade ao trabalho de Pedro, pregando de 1135 a 1145 e contribuindo para uma grande expansão numérica do grupo.


Outro destacado ministro entre os Albigenses foi Arnaud Hot, conhecido por sua ousadia na história do movimento. Arnaud desafiou as crenças e práticas da Igreja Romana de sua época, especialmente em relação à missa e à transubstanciação. Em uma disputa entre líderes católicos e pregadores albigenses, ocorrida por volta de 1206 em Montréal, na França, ele apresentou argumentos sólidos e persuasivos, sustentando que a missa não havia sido instituída por Cristo e pelos apóstolos, questionando assim a validade dessa prática na Igreja de Roma.


Outro aspecto importante a destacar é sua ênfase na Palavra de Deus como fundamento da fé cristã, em contraste com as tradições humanas valorizadas pelos católicos. Sua coragem em enfrentar as autoridades eclesiásticas e sua habilidade no debate em defesa da fé albigense impressionaram o público, deixando bispos e monges sem respostas. Como resultado, muitos se retiraram da discussão, revelando sua falta de fundamentação escritural para a validade das doutrinas da Igreja Romanista.


Diversos movimentos da Idade Média, como os Cátaros, Paulicianos, Bogomilos, Albigenses e Valdenses, foram injustamente suspeitos e acusados de serem seguidores de Mani (século III), o heresiarca dos Maniqueístas. Os maniqueístas acreditavam em um mundo governado por dois princípios eternos em conflito: o Bem (luz) e o Mal (trevas). Eles também defendiam a salvação por meio da gnose (conhecimento) e negavam o Antigo Testamento, além de pontos fundamentais da fé bíblica, como a Encarnação e a ressurreição de Cristo.


Diante disso, é importante comentar sobre as acusações de maniqueísmo dirigidas aos Albigenses e destacar suas verdadeiras crenças. Do ponto de vista histórico, o historiador alemão Herbert Grundmann (1902-1970), especialista em movimentos religiosos medievais, observou que, quando surgiram no Ocidente grupos considerados hereges – ou seja, heterodoxos – na primeira metade do século XI, não havia evidências claras da presença de crenças maniqueístas em nenhum lugar.


Muitos estudiosos, como o francês Jacques Basnage (1653-1723) de Beauval, em sua obra “História da Igreja de Jesus Cristo até agora…” (1699), afirmaram que os Albigenses foram alvo de falsas acusações de maniqueísmo. Na mesma linha de raciocínio, as acusações de que não acreditavam na ressurreição, no Antigo Testamento, no casamento, bem como de defenderem Mani, foram retratadas como calúnias na obra “Histoire des Albigeois” (1595) de Jean Chassanion.


Na Idade Média, os Albigenses também ficaram conhecidos como "Cátaros", especialmente no sul da França, durante o século XII. Muitos contemporâneos, como o abade Ecberto de Schönau (1120/30-1184), associaram o movimento Albigense/Cátaro aos dualistas maniqueístas. É importante fazer uma observação sobre essa questão. O termo “Cathar”, “Cathari” ou “Cathares” não derivava de “Catharistae”, que Santo Agostinho (século IV) usou para se referir a um grupo de maniqueístas de sua época. De acordo com Daniel Walther, o termo “cátaro” vem do grego “Katharoi”, que significa simplesmente “puro”. Assim, a conotação de pureza refletia uma prática de piedade bíblica e do primitivismo cristão.


Na verdadeira caça aos heterodoxos, os líderes romanistas interpretaram erroneamente o movimento Albigense devido a uma compreensão equivocada da terminologia. Acredita-se que o termo “cátaro” tenha sido um mito criado para justificar a perseguição ao grupo. Como resultado, utilizaram calúnias para perseguir e desacreditar aqueles que se opunham a eles.


Em síntese, um estudo objetivo das crenças dos Anabatistas no início do século XI não revela nenhum vestígio da influência maniqueísta. Não há entre eles qualquer disputa entre o deus da Luz e o deus das trevas, nem características essenciais da gnose. Além disso, observa-se um silêncio em relação às fontes de ensinamentos e textos maniqueístas; inclusive, o nome do fundador, Mani, está ausente. Por outro lado, é evidente o uso intensivo de textos do Novo Testamento, especialmente as cartas do apóstolo Paulo. Portanto, se realmente fossem dualistas, por que haveria esse silêncio nas fontes históricas em relação aos aspectos mencionados?


O verdadeiro retrato das crenças dos Albigenses pode ser descrito da seguinte forma: eram contrários à intercessão dos santos e ao purgatório; se opunham ao culto dos santos, às relíquias e às imagens; pregavam Cristo Jesus como o único e suficiente mediador entre Deus e os homens; negavam a presença corpórea de Cristo nos elementos da Eucaristia; evitavam todas as superstições romanistas; eram contra o batismo de crianças; rejeitavam os juramentos; e se opunham ao derramamento de sangue, ou seja, à participação em guerras. Para alguns historiadores, os Paulicianos, Albigenses e Valdenses podem ser descritos como compartilhando as mesmas crenças e confissões de fé.








Heberth Ventura



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Referências



BLAIR, Adam. History of the Waldenses. Edinburgh: A. & C. Black, vol.1, 1833.


BRENON, Anne. I catari : storia e destino dei veri credenti. Florença: Convivio/Nardire Editora, 1990.


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CHRISTIAN, JOHN T. A History of The Baptists: ogether with Some Account of Their Principles and Practices. Nashville, TN: Sunday School Board of the Southern Baptist Convention , 1922.


DE BEAUVAL, Jacques Basnage. Histoire de la religion des églises reformées, depuis Jesus-Christ, jusqu'a present: dans laquelle on voit la perpetuité de la foi, la succession de l'Eglise, l'etablissement de la Reforme; avec une histoire de l'origine et du progrès des erreurs de l'Eglise Romaine. Rotterdan: Chez Abraham Acher, vol. 1, 1690.


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DONDAINE, A. L”Origine de l’hérésie Médiévale: A propôs d’um livre récent. Revista di Storia dela Chiesa in Italia, VI, n.1, p. 47-48, 1952.


EUSTACHE, David. Réponse à la demande que Rome nous fait: Où étoit votre Église avant Luther et quels étoient ses pasteurs?.  Genebra: chez Philippe Gamonet, 1649


GRUNDMANN, Herbert. Religious movements in the Middle Ages. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1995.


WALTHER, Daniel. A survey of recent research on the Albigensian Cathari. Church history, v. 34, n. 2, p. 146-177, 1965.

 

 

1 Comment


Guest
Feb 28

Realmente os Albigenses deixaram seu legado e sua relação de comprometimento com Deus e com a sua palavra. Que assim Deus nos ajude a fazer também.

Só o Senhor é Deus!

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