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Foto do escritorPastor Glauco Barreira M. Filho

O substituto de Judas: Paulo ou Matias?

Atualizado: 22 de ago. de 2023



No capítulo primeiro do livro de Atos dos Apóstolos, a Bíblia registra que, sob a orientação de Pedro, Matias foi escolhido para substituir Judas Iscariotes na composição do colégio apostólico. A primeira pergunta que podemos fazer é se nós poderíamos questionar a validade dessa escolha dentro de uma posição bíblica fundamentalista. A resposta a essa pergunta tem que ser positiva, pois Atos é um livro histórico e deve ser interpretado à luz dos livros doutrinários (como as epístolas) e do desenvolvimento integral do próprio livro.


Há muitas passagens em livros históricos que relatam erros dos personagens mais santos. Muitos desses erros são revelados e repreendidos ao longo da narrativa, mas não em todas as ocasiões. No caso da divergência entre Paulo e Barnabé, por exemplo, a Escritura não indica na narrativa quem tem razão. No caso em que Saul consulta a pitonisa, que diz trazer o espírito de Samuel, o texto não diz se o espírito era Samuel ou não, embora a linguagem fenomenológica da Bíblia revele que Saul pensou que se tratava realmente de Samuel. É o contexto integral da história e as informações contidas nas partes didáticas da Bíblia que nos podem ajudar a chegar a alguma conclusão sobre esses assuntos.


No caso da escolha de Matias, a Bíblia diz que Pedro a promoveu com base em um versículo bíblico que dizia que um outro apóstolo deveria substituir o traidor (Atos 1: 20). A partir daí, Pedro sugeriu o uso de um método “misto” que envolvia eleição combinada com sorte, o que não tinha apoio bíblico.


É verdade que pagãos usavam sorte e Deus falou com eles por aquilo que acreditavam (Jonas 1: 7). Entre os israelitas, a sorte também foi usada para os casos em que o líder queria mostrar isenção, isto é, para os casos em que o povo podia achar que o líder estava usando seu posto para fazer escolhas em proveito próprio ou de seus amigos. Assim, Josué lançou sorte “perante o Senhor” para repartir a terra entre as famílias de Israel (Josué 18) e, em 1 Samuel 14:36-42, vemos um episódio em que a sorte é lançada para mostrar a imparcialidade de Saul. Esse é o sentido de Provérbios 16: 33.


A sorte nunca foi utilizada no Antigo Testamento para indicar uma posição ministerial. Nenhum profeta, sacerdote ou rei foi escolhido por sorte. Para esses grandes assuntos, a intervenção de Deus era direta. A igreja está edificada sob o fundamento de apóstolos e profetas. Houve algum profeta escolhido por sorte? Os doze primeiros apóstolos foram escolhidos por sorte? Paulo foi escolhido por sorte? Será que o Novo Testamento é inferior ao Antigo Testamento? Claro que não.


No caso da eleição de Matias, Pedro não usou apenas a sorte como nos dias do Antigo Testamento. Ele misturou a eleição, que era o método a ser utilizado na escolha de ministros regulares (Atos 6: 3; Atos 14: 23), com o método do Velho Testamento. Além disso, após a morte de Jesus, um Novo Testamento se iniciara e o método do Velho Testamento caducara (Hebreus 9: 16-17; Hebreus 8: 13).


A escolha de um apóstolo não se dava por eleição (como os ministros ordinários: pastores, diáconos), nem por sorte, mas pela intervenção direta de Jesus:



“E, chamando os seus doze discípulos...” (Mateus 10: 1)




“...Chamou a si os seus discípulos, e escolheu doze deles” (Lucas 6: 13)




“... Não vos escolhi a vós os doze?...” (João 6: 70)




“Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós...” (João 15: 16)




“... chamou para si os que ele quis; e vieram a ele. E nomeou doze...” (Marcos 3: 13-14)



Sabemos que Pedro orou pela eleição de Matias, mas uma oração que não é conforme a vontade de Deus não é ouvida. Paulo orou três vezes por uma coisa que não era da vontade de Deus e não foi ouvido (II Cor. 12: 8-9). Tiago e João não foram atendidos na sugestão de pedirem fogo do céu sobre os samaritanos, embora quisessem se basear no precedente bíblico de Elias.


Nós vemos no capítulo primeiro de Atos uma ação precipitada de Pedro. Aliás, nós encontramos várias outras ações desse tipo em Pedro, tanto antes (Mateus 14: 28-32; Lucas 22: 31-34; Marcos 14: 29-31; João 18: 10-11; Mateus 16: 23) como depois (Gálatas 2: 11-14) da eleição de Matias.


Não é lógico o argumento que sustenta que Pedro não pôde ter errado na escolha de Matias se, logo em seguida, no dia de Pentecostes, ele foi usado por Deus para trazer milhares de pessoas à conversão. Nós, seres humanos, apesar de nossas imperfeições, podemos ser usados por Deus, desde que nossa desobediência a Deus não seja deliberada ou consciente. Tiago diz que “todos tropeçamos em muitas coisas” (Tiago 3: 2). O próprio Pedro, logo depois de ter reconhecido a divindade de Jesus por uma revelação divina reconhecida pelo próprio Senhor, foi usado por Satanás para tentar sugerir a Cristo que não fosse para a cruz (Mateus 16: 16-23). Os discípulos tiveram disputas entre si antes e depois de terem sido enviados em uma breve experiência missionária que incluía expulsar de demônios e curar enfermos (Mateus 10). No dia de Pentecostes, Pedro pregou que as promessas de Deus eram para todos (Atos 2: 17, 38-39). Depois disso, ele resistiu a idéia de pregar aos gentios e precisou ser persuadido por Deus para quebrar os seus preconceitos (Atos 10).


O Reformador João Calvino diz que Pedro teve a intenção de, pela sorte, fazer a escolha de Matias ser algo divino, pois o apostolado tinha que vir de Deus. No final, Pedro misturou a sorte com o voto eclesiástico, mas a escolha de Deus recaiu posteriormente sobre Paulo. Seguem as palavras de Calvino:



“Assim Cristo CHAMOU os Doze (Mateus 10:1), e quando um sucessor teve que suprir a vacância deixada por Judas, a Igreja não ousou escolher um substituto por meio de escrutínio, mas recorreu ao método de lançar sortes (Atos 1: 26). O fato é que os pastores não eram escolhidos através do costume de lançar sortes. Por que, pois, foi assim na designação de Matias? Para que ele pudesse ser divinamente designado. Pois o apostolado tinha que ser distinto dos demais ministérios. E ASSIM PAULO, PARA EXCETUAR-SE À ORDEM COMUM DE MINISTROS (a vulgari ordine ministrorum), sustenta que sua vocação viera imediata e diretamente da parte de Deus.” (COMENTÁRIOS AOS GÁLATAS )



A Bíblia diz que Jesus deixou mandamentos para os apóstolos antes da ascensão (Atos 1: 2), mas nenhum deles incluía a eleição de Matias, pois Pedro apresentou a proposta da eleição de Matias como uma sugestão nova, não anteriormente esperada (Atos 1: 15-26). Jesus, na verdade, havia dito que eles aguardassem o Espírito Santo para serem por Ele dirigidos (Atos 1: 4-5, João 16: 13). Não podemos dizer que a decisão de Pedro de eleger um substituto de Judas tenha sido dirigida pelo Espírito Santo, pois ela aconteceu antes da vinda do Espírito.


O Dr. Aníbal Pereira dos Reis, ex-padre e pastor batista, disse:



“Será que a atitude de Pedro conferia com a vontade do Senhor? Por mais minuciosa que haja sido minha busca, não topei em nenhuma referência à delegação de poderes por parte de Jesus, atribuindo a Simão Pedro o poder de designar outro apóstolo no lugar de Judas... Vasculhem-se todos os capítulos e todos os versículos dos Atos dos Apóstolos e de todas as epístolas e também todo o Apocalipse a procura de Matias. Jamais será encontrado.” (PEDRO NUNCA FOI PAPA, NEM O PAPA É VIGÁRIO DE CRISTO, 1975, Caminho de Damasco, p. 153).



Quando Pedro agiu sem o Espírito, ele se precipitou. Os que aceitam que a decisão de Pedro foi correta estão endossando a falsa ideia de que ele teve alguma superioridade sobre os demais apóstolos, ao menos naqueles dez dias. Sobre o assunto, vejamos a posição de um baluarte do movimento pentecostal: Lewi Pethrus.


Lewi Pethrus foi o famoso pastor pentecostal da Suécia que deu suporte ao trabalho pioneiro da Assembléia de Deus no Brasil. Gunnar Vingren estava vinculado à igreja de Lewi Pethurs. Era na igreja de Pethurs onde Gunnar se congregava quando sucessivamente retornava a Suécia. A pregação de Pethurs era a doutrina que alimentava os pioneiros. Vejam o que disse Lewi Pethurs:



“Se a condição para figurar entre os doze era haver visto o Senhor, pode-se perguntar se Paulo pertence aos doze. Conta-se no primeiro capítulo de Atos como os onze escolheram um novo apóstolo no lugar de Judas Iscariotes. Não quero pronunciar-me sobre isso, mas é maravilhoso o lugar que Paulo ocupa entre os apóstolos. Está claro no Novo Testamento que Paulo ocupou lugar proeminente entre eles. Nenhum pode assemelhar-se a ele, exceto Pedro, que fez a pregação do dia de Pentecostes. Mas, ao lermos Atos, vemos que Paulo elevou-se acima dos demais, e é ele mesmo que diz: ‘Tenho trabalhado mais do que todos’. Assim, seria injusto não ser ele contado entre os doze. Mas os onze escolheram Matias. Talvez tivessem feito isso porque NÃO ESPERARAM PELO PENTECOSTE. Se tivessem esperado, provavelmente, não teriam escolhido. Seja como for, aqueles cujos nomes estão inscritos nos fundamentos da Nova Jerusalém são somente doze.” (PETHRUS, Lewi. O VENTO SOPRA ONDE QUER, RJ:CPAD, 1982, p. 96).



A Escritura nunca fala de Matias como apóstolo numa forma específica. Em Atos 1: 26, a Bíblia diz que ele “foi CONTADO com os onze apóstolos”. Observe que a Escritura não diz que ele se TORNOU um apóstolo, mas, sim, que passou a ter uma associação numérica com os onze apóstolos. Em Atos 2: 14, a Bíblia diz: “Pedro, porém, pondo-se em pé com os ONZE, levantou a voz...”. Observe que a Escritura não fala que Pedro se levantou com “onze apóstolos”. Em Atos 6: 2, está dito que “os DOZE, convocando a multidão dos discípulos...”. Nós percebemos novamente que a Bíblia não chama o grupo de “doze apóstolos”, mas apenas de “doze”, pois Matias está presente. É claro que os apóstolos escolhidos por Jesus também foram chamados numericamente (os doze ou os onze). Nessa hora, a Bíblia quer destacar o grupo, não o apostolado. O fato, porém, é que também foram chamados de apóstolos, o que nunca acontece com Matias.


Diferentemente de Matias, Paulo é inúmeras vezes chamado de apóstolo na Bíblia e constantemente se apresenta como apóstolo nas cartas.


É curioso que, depois do capítulo primeiro de Atos, o nome de Matias não aparece em parte alguma da Bíblia. O nome de Paulo, porém, domina o livro de Atos dos APÓSTOLOS a partir do capítulo oito, bem como é de sua autoria a maior parte das epístolas.


O Dr. Aníbal Pereira dos Reis, ex-padre e pastor batista, disse:



“Há de ser Paulo aquele que tomou o bispado do Iscariotes... Matias não era o escolhido de Deus! Seu nome nunca mais é mencionado enquanto o de Paulo se projeta luminoso ao longo de mais da metade dos Atos dos Apóstolos e por meio das epístolas. Só pode ser Paulo o novo apóstolo. Se for Matias, o colégio apostólico passou a se compor de treze e não mais de doze varões. Mas quando o penúltimo capítulo de Apocalipse, em pinceladas de inexcedível beleza, desvela ‘a grande cidade, a Santa Jerusalém’, menciona o seu muro de ‘Doze fundamentos’, e neles estavam os nomes dos doze apóstolos do Cordeiro (versículo 14), pois o número deles sempre se limitou a doze.” (A SEGUNDA BENÇÃO, 1982, Caminho de Damasco, p. 92).



Paulo foi o real substituto de Judas Iscariotes, o décimo segundo apóstolo. Ele foi escolhido diretamente por Jesus. O Senhor apareceu a ele e o chamou para o apostolado (Atos 9:15,16). Veja a semelhança entre o que Jesus disse para os onze apóstolos e o que Jesus disse para Paulo:



Para os onze apóstolos: “E dessas coisas sois vós testemunhas” (Lucas 24: 48). “...Sereis minhas testemunhas...”(Atos 1:8).



Para o apóstolo Paulo:



“Porque hás de ser testemunha para com todos os homens do que tens visto e ouvido” (Atos 22: 15).


“Mas levanta-te e põe-te sobre teus pés, porque te apareci por isto, para te pôr por ministro e testemunha tanto das coisas que tens visto como daquelas pelas quais te aparecerei ainda.” (Atos 26: 16).



Note que todos os textos acima são de autoria de Lucas. Com certeza, Lucas queria trazer uma lógica de continuidade para as suas palavras.


Paulo reivindica o apostolado no sentido próprio com base no modo como foi escolhido:



“Não sou eu apóstolo?... Não vi eu a Jesus Cristo, Senhor nosso?...” (I Cor. 9: 1)


“Mas faço-vos saber, irmãos, que o evangelho que por mim foi anunciado não é segundo os homens, PORQUE NÃO O RECEBI, NEM APRENDI DE HOMEM ALGUM, MAS PELA REVELAÇÃO DE JESUS CRISTO... Mas, quando aprouve a Deus, que desde o ventre de minha mãe me separou e me chamou pela sua graça, revelar seu Filho em mim, para que o pregasse aos gentios, não consultei carne nem sangue, nem tornei a Jerusalém, a ter com os que já antes de mim eram apóstolos, mas parti para Arábia e voltei outra vez a Damasco. Depois, passados TRÊS anos, fui a Jerusalém para ver Pedro...”(Gálatas 1: 11-12, 15-18).



Note, no versículo acima, que Paulo foi chamado diretamente por Deus e, como os demais apóstolos (Efésios 3: 5), ele aprendeu o evangelho diretamente de Cristo por revelação (Efésios 3: 2-4). Não se sentiu dependente da confirmação de seu apostolado pelos outros apóstolos. Os onze apóstolos ficaram com Jesus três anos e Paulo destaca uma experiência preliminar de três anos no seu ministério.


Observe como Paulo fala de seu apostolado de um modo que Matias não podia falar:



“Paulo, apóstolo (não da parte dos homens, nem por intermédio de homem algum), mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dos mortos.” (Gálatas 1: 1)



Paulo nivela o seu apostolado ao de Pedro:



“... Quando viram que o evangelho da incircuncisão me estava confiado, como a Pedro o da circuncisão (porque aquele que operou eficazmente em Pedro para o apostolado da circuncisão, esse operou também em mim com eficácia para com os gentios)” (Gálatas 2: 7-8)



Paulo se compara aos demais apóstolos:



“Porque penso que em nada fui inferior aos mais excelentes apóstolos” (II Cor. 11: 5)



Paulo diz que a igreja está edificada sob o fundamento dos apóstolos (Efésios 2: 20) e diz que ele, como sábio arquiteto, pôs o fundamento (I Cor. 3:10). Em Apocalipse 21: 14, a Bíblia diz: “E o muro da cidade tinha DOZE FUNDAMENTOS e, neles, os NOMES DOS DOZE APÓSTOLOS DO CORDEIRO”. Poderíamos imaginar a ausência do nome de Paulo? Claro que não. No comentário a I Cor. 15: 8, A BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL traz o seguinte comentário:



“... Paulo foi o ÚLTIMO DOS APÓSTOLOS NO SENTIDO DE RECEBER UM MANDATO ESPECIAL ATRAVÉS DE UM ENCONTRO COM O SENHOR RESSURRETO PARA INTEGRAR A FORMAÇÃO DO TESTEMUNHO INICIAL E FUNDAMENTAL DE JESUS CRISTO (cf. Atos 9: 3-8; 22: 6-11; 26: 12-18). ESSES APÓSTOLOS constituíram o INÍCIO DO ALICERCE DA IGREJA (ver Ef. 2: 20 nota; cf. Mt. 16: 18; Ap. 21: 14). Por essa razão, este ofício inicial de apóstolo do NT é impar e não repetido. Como testemunhas e mensageiros DIRETOS DO SENHOR RESSURRETO, eles edificaram o alicerce da igreja de Jesus Cristo, alicerce este que nunca pode ser alterado, nem admitir acréscimo. DAÍ, AQUELE GRUPO DE APÓSTOLOS NÃO TER SUCESSORES. SÃO ‘APÓSTOLOS DO CORDEIRO’ NUM SENTIDO ÚNICO (Ap. 21: 14; I Tes 2.6, Jd 17).”



Dr. Martin Lloyd-Jones, o pregador da capela de Westminster, explicou:



“... Há certas coisas claras nas Escrituras do Novo Testamento com relação ao ofício de apóstolo. Apóstolo era um homem caracterizado pelas seguintes coisas: Primeiro e acima de tudo, é preciso que ele tenha visto a Cristo ressurreto. Não podemos trabalhar com todas as provas escriturísticas, porém, uma das mais importantes é I Cor. 9:1, onde Paulo escreve: ‘Não sou apóstolo? Não sou livre? Não vi eu a Jesus Cristo, Senhor nosso?’ Igualmente na primeira carta aos coríntios, capítulo quinze, ao dar uma lista de pessoas pelas quais o Senhor ressurreto fora visto, ele menciona o fato de que ‘por derradeiro de todos me apareceu também a mim, como a um abortivo. Porque eu sou o menor dos apóstolos, que não sou digno de ser chamado apóstolos.... Apóstolo era um homem a quem tinha sido feita uma revelação sobrenatural da verdade. O apóstolo já tinha tratado disso no capítulo três desta epístola, onde ele diz: ‘Se é que tendes ouvido a dispensação da graça de Deus, que para convosco me foi dada; como me foi manifestado pela revelação’ (v. 2-3)... Portanto, não há nenhum sucessor dos apóstolos... Que isto é ensinado no Novo Testamento pode-se provar assim: Recordem como, por causa da apostasia e do suicídio de Judas Iscariotes, os apóstolos decidiram designar um sucessor dele, e designaram Matias, como somos informados no capítulo primeiro de Atos. Mas depois há este interessante caso do apóstolo Paulo, e como ele foi introduzido no apostolado. Ele nunca teria sido aceito pelos outros apóstolos se não lhe fosse dado ver o Senhor ressurreto no caminho de Damasco” (A UNIDADE CRISTÃ, SP: PES, 1994, p. 159-161)



Os textos e a exposição acima deixam claro que Paulo, não Matias, era o substituto de Judas no colégio apostólico. Agora, passaremos a analisar uma passagem que não representa qualquer discordância com o que foi falado, mas merece esclarecimento. É o texto de I Cor. 15: 5. Esse texto diz que o Cristo ressuscitado, antes da ascensão, foi “visto por Cefas e depois pelos DOZE”. A questão é: Se, com a traição de Judas, só havia onze apóstolos, quem são esses doze?


Aqueles que querem ver em Matias o novo apóstolo juntam aqui Matias com os onze. Ainda que isso fosse verdade (o que representaria um anacronismo), não provaria que Matias era o substituto de Judas. Afinal de contas, Paulo falou em “Doze”, mas não disse “doze apóstolos”. Matias foi contado com os onze, mas não se tornou um apóstolo no sentido estrito. Além disso, no mesmo texto, Paulo diz que, DEPOIS de ter sido visto pelos DOZE, Jesus foi visto por “TODOS OS APÓSTOLOS” (I Cor. 15: 7). Disso, eu posso inferir, com certeza, que os “doze” não eram os doze apóstolos. Isso fica ainda mais claro quando Paulo, em seguida a afirmação de que Jesus apareceu a TODOS OS APÓSTOLOS, também diz que Jesus apareceu por derradeiro a ele (não há apóstolo em sentido estrito após Paulo) e o fez APÓSTOLO (I Cor. 15: 8-10). Porque Paulo não identificaria os doze como apóstolos, mas a si mesmo identificaria?


Se entendêssemos os DOZE como sendo os onze mais Matias, teríamos três problemas: 1) Por que nenhum dos evangelistas mencionou fato tão relevante nos relatos das aparições de Jesus após a ressurreição?; 2) Por que Jesus não aproveitou o momento e chamou Matias para o apostolado diante de todos?; 3) Por que ainda houve dúvidas depois disso sobre quem seria o substituto de Judas? Lembremo-nos que Matias concorreu com outro candidato (Atos 1:23).


Antes de prosseguir, eu repito que darei as razões que me convencem que os “DOZE” em I Cor. 15 não incluem Matias, mas, se incluísse, isso em nada alteraria as conclusões sobre ser Paulo o substituto de Judas. Poderíamos imaginar Jesus aparecendo a um grande grupo, incluindo Matias e outros. A partir daí, Paulo poderia ter destacado dentro desse grupo a presença dos que foram posteriormente chamados de “os doze” por uma questão meramente histórica (o erro da eleição de Matias). Certa ou errada, a associação inicial de Matias com os onze em Atos fez o grupo ser chamado de “os doze” (o que não significa doze apóstolos). Os primeiros sete diáconos também ficaram conhecidos como “OS SETE” (Atos 21: 8).


O Dr. Aníbal Pereira dos Reis nos dá as seguintes orientações esclarecedoras:



“À luz dos informes neotestamentários, as aparições do Ressuscitado se deram na seguinte ordem: 1º A Maria Madalena (Mc. 16: 9); 2º Aos discípulos de Emaús (Lc. 24: 13-15); 3º A Pedro (Lc. 24: 34; I Cor. 15: 5); 4º A DEZ APÓSTOLOS REUNIDOS (Mc. 16: 14; Lc. 24: 36-53; Jo 20: 19-23; I Cor. 15: 5); 5º AOS ONZE JUNTOS, INCLUINDO-SE TOMÉ (Jo 20: 24-29; I Cor. 15:7)...” (PEDRO NUNCA FOI PAPA, NEM O PAPA É O VIGÁRIO DE CRISTO, 1975, Caminho de Damasco, p. 136).



Assim como Scofield (1) e os demais fundamentalistas bíblicos, Aníbal relaciona a aparição aos “doze” mencionada em I Cor. 15: 5 ao momento em que os discípulos de Emaús foram até os demais discípulos contar a sua experiência de terem visto o Senhor. Nessa ocasião, Jesus lhes apareceu (Lc. 24: 36-53). Isso é tão claro que, em I Cor. 15: 5, se fala que Jesus apareceu aos doze depois de ter aparecido a Pedro. Em Lucas 24, Jesus aparece na reunião dos dois discípulos de Emaús com os demais discípulos após ser dada a notícia de Jesus ter aparecido a Pedro (Lucas 24: 34).


No contexto de Lucas 24: 33, a Bíblia diz que estavam reunidos os dois discípulos de Emaús, os onze apóstolos e outros. Os “outros” não recebem atenção numérica, mas são considerados apenas como companhia dos onze. A atenção é para os dois (discípulos de Emaús) e para os onze (apóstolos). A partir da narrativa correlata de João 20: 19-24, nós descobrimos que Tomé se ausentou dessa reunião antes de Jesus aparecer. Nessa ocasião, os números destacados são os DOIS discípulos de Emaús mais os DEZ apóstolos que ficaram, o que dá um total de DOZE. Foi para esses doze que Jesus apareceu. Note a semelhança do relato de Lucas com o de João para constatar que foi a mesma aparição de Jesus:



“E falando ele dessas coisas, o mesmo Jesus se apresentou no meio deles e disse-lhes: Paz seja convosco.” (Lucas 24: 36)


“...Chegou Jesus, e pôs-se no meio, e disse-lhes: Paz seja convosco!... Ora, Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus” (João 20: 19, 24).



Em I Cor. 15: 5-7, a Bíblia diz que Jesus apareceu aos DOZE e, depois, A TODOS OS APÓSTOLOS. Trata-se de apóstolos em sentido estrito. A Bíblia fala em apóstolos do Cordeiro (somente doze – Ap. 21: 14) e “apóstolos das IGREJAS” (II Cor. 8: 23). Barnabé, por exemplo, era um apóstolo da igreja de Antioquia, mas não era apóstolo em sentido estrito. Paulo era apóstolo do Cordeiro e apóstolo de Antioquia. Nas aparições de Jesus após a ressurreição, ainda não havia igreja organizada, logo, o termo a “todos os apóstolos” significa “a todos os apóstolos do Cordeiro”.


Quando Jesus apareceu aos doze (10 apóstolos com os 2 discípulos que contavam a sua experiência) não estavam presentes todos os apóstolos, pois faltava Tomé. Quando, porém, Jesus veio novamente e apareceu aos onze apóstolos (incluindo Tomé), ele apareceu a TODOS OS APÓSTOLOS até então existentes. Eis a melhor explicação.


A escolha de Matias foi um erro que se tornou notório quando o apóstolo Paulo foi chamado por Deus. Por ser composta de homens, a igreja pode errar, mas, em algum momento, crescendo em maturidade, ela acertará o passo. Foi o que aconteceu.


Abraão achou que estava cumprindo a promessa de Deus quanto à sua linhagem quando teve um filho com Agar. Depois, porém, ele percebeu que o filho da promessa seria um outro que viria sem a sua ajuda. Foi preciso uma querela para a igreja primitiva descobrir o ofício do diaconato, assim como foi preciso uma perseguição para a igreja sair dos limites de Jerusalém e foi preciso uma contenda e um concílio para ela livrar-se de tendências judaizantes... Os sinceros acabam encontrando o caminho certo.





Pastor Glauco Barreira M. Filho (27.10.2010)





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(1) Scofield diz que, quando Jesus chamou os doze apóstolos, eles ficaram conhecidos como “os doze”. A partir desse momento, a expressão passou a representar o grupo, virou um “termo coletivo”. Desse modo, quando Paulo fala que Jesus foi visto pelos “doze”, isso podia significar que ele apareceu aos dez ou aos onze discípulos, pois, independente do número, o grupo de discípulos era conhecido como “os doze”. Matias, porém, nunca poderia ser incluido nos “doze” de I Cor. 15: 5, pois, sendo o fato antes da sua escolha, inclui-lo seria incorrer em anacronismo. Apesar de não adotarmos a interpretação de Scofield, reconhecemos que tem lógica.

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