Crédito da imagem: Heberth Ventura
A Palavra experimental
“... As palavras que eu vos disse são espírito e vida.” (João 6: 63)
Uma das verdades imprescindíveis para as convicções evangélicas é a crença na Bíblia como única regra de fé e prática. Trata-se do chamado princípio formal da Reforma. Por ele se reconhece ao texto sagrado a qualidade de autoridade final em assuntos espirituais. A Bíblia é tida como infalível e inerrante, tendo sido inspirada verbalmente pelo Espírito Santo. Os reformadores e os anabatistas adotavam uma interpretação histórica e literal (mas não ingênua) da Bíblia, repudiando a interpretação alegórica que procurava conciliar a Palavra de Deus com a filosofia ou com uma pretensa tradição que ultrapassava a Escritura.
No século XIX, surgiu um movimento dentro do protestantismo que encaminhou um amplo segmento para a apostasia: o liberalismo teológico. Seus defensores queriam subordinar a Bíblia a uma cosmovisão científica ou filosófica. Pertenceram ao liberalismo teólogos como Scheleirmacher, Bultmann e Paul Tilich. A partir daí, se começou a falar em protestantismo evangélico e protestantismo não evangélico (ou liberal). Os liberais nunca conheceram o real evangelho de Cristo, mas também é verdade que há muitos evangélicos que nunca tiveram uma genuína experiência de salvação. Os liberais se afastaram de Deus por divinizarem o intelecto, mas, também, muitos evangélicos divinizaram as emoções, confundindo a regeneração com uma experiência superficial.
A palavra de Cristo deve se tornar vida, e, com isso, revolucionar a história do homem. Deve mudar sua linguagem, vestimentas, hábitos, padrões, companhias, etc.
Não nos basta repetir as eloqüentes declarações de fé dos que nos antecederam no evangelho. Uma confissão de fé não é uma fórmula a ser memorizada, mas um testemunho vivo de um povo que foi desafiado a se manifestar acerca da fidelidade às suas convicções. A pergunta que se deve fazer não é se concordamos ou não com as confissões de fé dos antepassados, mas, sim, se podemos assumir aquelas confissões como sendo nossas, ou seja, se a nossa experiência cristã nos permite concluir que aquilo é verdade.
A palavra deve se tornar experiência, deve vivificar, deve nos unir com os mártires e fiéis do passado. No cristianismo, não se valoriza apenas uma palavra, mas a Palavra que se fez carne.
Jesus e a bíblia
Os cristãos genuinamente evangélicos acreditam que a Bíblia é infalível e inerrante, pois foi verbalmente inspirada por Deus. Essa doutrina, entretanto, não é fruto da dogmática histórica da igreja institucionalizada. Ela foi afirmada pelo próprio Jesus, que é a verdade (João 14:6) e a testemunha fiel (Apocalipse 3: 14). Jesus falou da inspiração verbal das Escrituras quando disse que até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei sem que tudo seja cumprido (Mateus 5: 18). Revelou a autoridade espiritual da Bíblia quando enfrentou o diabo, dizendo-lhe: Está escrito (Mateus 4: 4, 7 e 10). Jesus falou da infalibilidade da Bíblia quando disse: A Escritura não pode falhar (João 10: 35). Jesus citou e argumentou com as Escrituras, falou do cumprimento das profecias e aplicou-as a si.
Jesus começou seu ministério pela leitura do profeta Isaías (Lucas 4: 17 – 21). É interessante observar que Jesus leu um texto de Isaías como sendo (como de fato é) de Isaías, quando alguns críticos modernos julgam que esse capítulo que Jesus leu é de um outro autor que fez um enxerto ao livro, ou seja, um pseudo-Isaías. Jesus, assim, contestou a crítica moderna da Escritura.
Em questões éticas, Jesus não se limitou a uma leitura superficial da lei, mas fez uma hermenêutica profunda. Foi assim que viu o amor como cerne da lei e deu propósito ao sábado. Quando, porém, se referiu a fatos históricos narrados na Bíblia, não os viu como simples mitos (Bultmann) ou como lendas (Barth) a serem desvendadas por uma interpretação existencial.
Jesus sabia da ocorrência de um dilúvio universal, e, por isso, comparou esse fato com outros relacionados à sua vinda (Mateus 24: 37-39). Falou da veracidade dos fatos relativos à destruição de Sodoma e Gomorra (Lucas 17: 28, 29). Jesus mostrou que o fato de Jonas ter estado no ventre de um grande peixe era tão certo quanto a sua ressurreição (Mateus 12: 40, 41). Jesus ensinou que a humanidade procedia de um só casal, e, com base nisso, sustentou a indissolubilidade do casamento (Mateus 19: 4-6). Sobre isso, o apóstolo Paulo também se pronunciou em Atos 17: 26.
Diante de tudo isso, pergunta-se: Pode ser cristão quem não crer na inspiração e historicidade dos relatos bíblicos? Pode crer em Cristo quem não crê em suas palavras? A Bíblia responde:
“À lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, nunca verão a alva.” (Isaías 8: 20)
“Pelo que também damos, sem cessar, graças a Deus, pois havendo recebido a palavra da pregação de Deus, a recebestes, não como palavra de homens, mas (segundo é, na verdade) como palavra de Deus, a qual também opera em vós, os que crestes.” (I Tessalonicenses 2: 13)
Pr. Glauco Barreira M. Filho (03.11.2008)
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