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Grupo de Estudo IBRM

Mary Wollstonecraft e o protofeminismo

Atualizado: 2 de mar. de 2024


Mãos rosas levantadas

Crédito da imagem: Warley Frota



É de conhecimento geral a demarcação temporal do movimento feminista em três 'ondas', dando a entender que tal movimento teve suas idas e vindas. Segundo os adeptos dessa demarcação, a primeira 'onda' pode ser estabelecida até os anos de 1960; a segunda 'onda' teria seu início em 1960 se prolongando até 1990 e a terceira 'onda' estaria localizada após a década de 1990.


Para uma análise mais aguçada da trajetória da ideologia feminista deve-se buscar os autores e os textos que serviram, anteriormente, como os progenitores do movimento, estabelecendo as bases para as ideias, que desenvolvidas, se tornaram o corpo teórico do movimento. Sobre este período que antecede o século XVIII, os teóricos consentem em denominá-lo de protofeminismo, por anteceder ao que oficialmente foi chamado de 'feminismo'.


Há quem considere que os primeiros textos surgiram no século XV com a obra de Christine de Pisan, chamada Cidade das mulheres, visando fornecer uma alternativa a um mundo dominado pelo masculino. Outras obras posteriores foram de Poullain de La Barre com seu livro A igualdade dos sexos, publicado em 1673 e a obra de Mary Wollstonecraft, a considerada mãe do feminismo, pela importância de sua obra Reivindicação dos direitos da mulher (1792), que para alguns teóricos do assunto foi a obra divisora de águas entre as feministas e as protofeministas.


O protofeminismo do século XVIII, tinha como centralidade a contestação dos direitos civis, as primeiras insinuações a respeito do voto universal e da participação política feminina. A principal teórica desse período foi Mary Wollstonecraft, uma mulher nascida em Londres na Inglaterra, vinda de uma família de classe média, e a principal obra foi seu livro Reivindicação dos direitos da mulher (1792).


Mergulhando um pouco no universo dessa aclamada obra, é possível enxergar a imensa diferença entre as ideias das primeiras feministas, em especial Mary, das ideias que hoje vemos nesse movimento, que mascara a verdade com uma falácia bondosa e sentimental, no intuito de levar meninas e mulheres a se sentirem oprimidas, quando na verdade, em toda história, foram poupadas e protegidas. A preocupação principal de Mary dizia respeito à restrição da educação formal feminina. Influenciada pelos ideais iluministas, mas sem abrir mão totalmente do discurso cristão, a autora tenta convencer que a libertação feminina através da educação poderia ser benéfica para a formação de uma cristã e de uma esposa mais virtuosa. Wollstonecraft escandaliza ainda mais as feministas atuais ao criticar severamente o comportamento masculinizado de algumas mulheres de sua época, e afirma que as mulheres jamais serão totalmente independentes dos homens [1]. A autora também critica o fato das mulheres se preocuparem com coisas fúteis, como a beleza, deixando de lado a inteligência e a racionalidade, fazendo assim, os homens se atraírem pelo exterior e não pelo interior.



"Os homens se queixam, com razão, da insensatez e dos caprichos de nosso sexo, quando não satirizam de forma mordaz nossas paixões impetuosas e nossos vícios abjetos [2]."



Para Mary as mulheres deveriam rapidamente ser incluídas em escolas mistas (meninos e meninas estudando juntos) abrindo assim a mente para o conhecimento. A autora afirma ainda, a total falta de interesse que as mulheres de seu tempo tinham com relação a adquirir conhecimento e que esta inferioridade intelectual em relação aos homens fazia com que o corpo feminino e sua beleza fossem os únicos atrativos de uma mulher.



"e essa castidade nunca será respeitada no mundo masculino até que a pessoa da mulher deixe, por assim dizer, de ser idolatrada, quando um pouco de bom senso e de virtude embelezarem-na com os grandiosos traços da beleza mental ou a interessante simplicidade do afeto [3]."



Outro ponto dessa obra é de que as mulheres deveriam ser inseridas no mundo escolar. Para entendermos mais sobre essa reivindicação, é preciso compreender como funcionava o ensino naquela época. Diferente da ideia caricaturada da educação que temos hoje, a daquela época não era tão desejada, o motivo pelo qual meninos eram colocados nas escolas era nada mais nada menos com o intuito de os fazerem "pensar" e aprender, para mais tarde exercerem suas atividades laborais e assim sustentarem suas famílias. No caminho entre o começo e o fim dos estudos, as aulas eram marcadas por castigos severos e brutais por parte de professores que tinham total liberdade para fazê-lo, sendo assim o motivo real das meninas não frequentarem as escolas, era porque simplesmente não queriam, e não porque eram obrigadas, concluindo assim, que as mulheres não eram oprimidas por não frequentarem as escolas, mas sim protegidas.



"Na Grécia e em Roma, os líderes dos jovens, que eram ou escravos ou libertos, faziam amplo uso da vara para enfiar o conhecimento na cabeça dos tutelados. Na arte antiga, o açoite se tornou a marca registrada do mestre. [ ... ] Na Inglaterra medieval, os escolares, chamados de "potros indomados", eram regularmente surrados. Depois de experimentar na pele esse tipo de disciplina, Erasmo escreveu um livro sobre a necessidade de aboli-la. Entre os judeus, as surras também eram freqüentes no cheder, ou "quarto", o local em que o rabino realmente aplicava o provérbio "açoite poupado, filho estragado"; "filho" e não "criança", como se costuma traduzir, pois as meninas sequer freqüentavam o cheder. Em todos os tipos de escola, os meninos eram com freqüência privados de comida, degradados e espancados. Também eram maltratados pelos mais velhos, que agiam com a permissão das autoridades [4]."



Para a autora a educação mista, pública e igualitária deveria sim existir, pois os pais eram incapazes de criar os próprios filhos, colocando de lado a devoção religiosa das famílias em descrédito diante do que poderiam oferecer os pensadores iluministas.



"Mas, ai de mim, os maridos; assim, como suas companheiras, geralmente não passam de crianças crescidas – melhor dizendo, graças à libertinagem precoce, mal são homens no aspecto exterior –, e, se um cego conduz outro cego, não é necessário que alguém venha do céu para contar-nos a consequência [5]."



Com o passar do tempo a educação pública e mista como a conhecemos, jamais cumpriu com suas promessas de progresso e igualdade. Diferente do que Mary achava, as mulheres não mudaram sua concentração nas futilidades femininas, o principal resultado que ocorreu com a inserção feminina nas escolas de meninos foi a mudança nas próprias escolas e não nas alunas.


Por fim, apesar de muitas ideias desta autora parecerem 'boas' aos nossos olhos, principalmente pela influência cristã que ainda havia em seus pensamentos, por trás, escondia ela, duas bandeiras intimamente ligadas ao que viria a ser a proposta revolucionária para os sexos: educação pública mista compulsória e a feminilidade ou masculinidade como consequência social, cultural e educacional. Essas duas pautas foram centrais nesta primeira fase a que chamamos de "protofeminismo", e também, responsáveis por abrir as portas para a primeira onda do feminismo que seria inaugurada no século seguinte, especificamente em meados do século XIX, nos Estados Unidos da América.



No amor e na paz do Espírito,



Grupo de Estudo IBRM - Siqueira





.oOo.





[1]Mary Wollstonecraft, Reivindicação dos direitos da mulher, tradução de Ivania Pocinho Motta, 1º edição. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 26.


[2]Reivindicação do direito das mulheres [recurso eletrônico] / Mary Wollstonecraft ; tradução Ivania Pocinho Motta. - 1. ed. - São Paulo : Boitempo : Iskra, 2016, p. 39.


[3]Reivindicação do direito das mulheres [recurso eletrônico] / Mary Wollstonecraft ; tradução Ivania Pocinho Motta. - 1. ed. - São Paulo : Boitempo : Iskra, 2016, p. 21.


[4]Martin Van Creveld, Sexo privilegiado. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, p. 95.


[5]Reivindicação do direito das mulheres [recurso eletrônico] / Mary Wollstonecraft ; tradução Ivania Pocinho Motta. - 1. ed. - São Paulo : Boitempo : Iskra, 2016, p. 43.

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