Igreja ou empresa?

Crédito da imagem: Heberth Ventura

De modo semelhante às empresas, as igrejas atuais organizam-se em vários departamentos. Há departamento de senhores, senhoras, jovens, etc. Cada um com sua presidência e organização. É como se fossem vários clubes. A igreja fica dividida quando deveria estar unida. Algumas igrejas já têm até o departamento dos empresários (com o culto dos empresários!?)

Os anabatistas recusam veementemente esse modelo antibíblico de organização eclesiástica. Na Bíblia, a igreja de Cristo é comparada a uma família e não a uma empresa (Efésios 3: 14 e 15). A igreja primitiva tinha uma ordem (Tito 1: 5), mas, em momento algum, são mencionados departamentos. Isso não significa que um pastor não possa sentir de Deus de fazer uma programação para falar especificamente aos jovens acerca de um assunto que lhes seja útil naquele momento ou que se organizem encontros de casais esporádicos. Disso, entretanto, não se pode concluir a necessidade de institucionalizar um “ministério” para os jovens ou para casais afastado daquele que é destinado a toda igreja.

Não somos livres para organizar a igreja a nosso modo. A Bíblia fala do ministério de mestre (daí a existência de cultos de ensino e a escola dominical), do ministério de evangelista (daí a existência de cultos evangelísticos) e do ministério de pastor (daí a prática do aconselhamento), mas a Bíblia não fala de presidente de mocidade ou “pastor” de mocidade. Só há na Bíblia o culto público e a reunião nas casas, sem nenhuma discriminação. Isso, todavia, não impede que os jovens façam grupos de evangelismo para levar a palavra de Deus para as almas perdidas QUE ESTÃO FORA DA IGREJA. Na verdade, é isso que todo pastor sincero espera que os jovens façam, ou seja, que deixem de lado o entretenimento e o espírito clubesco, a fim de usar o vigor da juventude na tarefa de ganhar almas. É ótimo, também, quando os jovens, ou duas pessoas quaisquer, ou um jovem e um velho, seja lá quem for, se reúnam para orar (Mateus 18: 19). As ações cristãs devem ser espontâneas.

O que acontece quando há avivamento é que crentes sentem o chamado de Deus para obras específicas. Eles mesmos se mobilizam para fazer a obra. Nesse caso, não há institucionalização, mas ação motivada pelo chamado de Deus e pelo amor cristão. Quando não há avivamento, as pessoas querem esconder a “glória que se desvaneceu” atrás do véu da institucionalização. É aí que podem surgir estruturas que não são componentes naturais da igreja e que desfiguram a sua estrutura bíblica. Muitos pastores dominadores se agradam dessas instituições porque elas “domesticam” os crentes, facilitando a sua manipulação. Machiavel aconselhava maquiavelicamente aos tiranos: “Divide et impera” (Divide e Reina). 

De outro lado, os “crentes” gostam desse modelo de departamentos porque trabalham dentro de estruturas organizacionais que funcionam segundo critérios burocráticos, o que lhes dispensa de ouvir pessoalmente a voz de Deus. Nessa hora, já não se ora mais para saber qual é o projeto de Deus, mas apenas para Deus abençoar projetos humanos em estruturas humanas. Encontrar tudo pronto é muito cômodo e divertido. Buscar a Deus em oração, ouvir o chamado e fazer as renúncias é que é difícil.

A igreja não é um mercado ou comércio que deve ter o produto que a demanda requer. A igreja deve ser aquilo que Jesus Cristo planejou que ela fosse.

Paulo diz que a igreja é um corpo, e, portanto, não pode estar dividida em clubes internos. Todos (jovens, velhos, senhores e senhoras) devem aprender juntos, uns com os outros:

“Do qual todo o corpo, bem ajustado e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor.” (Efésios 4: 16)

Aliás, bom é que os jovens estejam com os adultos, com os experientes na fé. O jovem Timóteo foi sábio quando acompanhou o apóstolo Paulo, assim o jovem Eliseu foi sábio quando se aproximou de Elias.

Os pastores devem se relacionar com os membros de todas as idades e sexos, não para serem “carismáticos”, interessantes ou divertidos, mas para serem modelos:

“Não repreendas asperamente os anciãos, mas admoesta-os como a pais, aos jovens, como irmãos; às mulheres idosas, como a mães, às moças como a irmãs, em toda a pureza. Honra as viúvas que verdadeiramente são viúvas.” (I Timóteo 5: 1-3)

Quando Paulo escreveu aos efésios e aos colossenses, ele falou aos pais, aos filhos, ao marido e a mulher, ao senhor e ao servo (Efésios 5: 22-33; 6: 1 – 9; Col. 3: 18-25). Paulo não escreveu uma carta para cada grupo, mas uma carta para todos, pois:

“Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.” (Gálatas 3: 28)

Em Joel 2:16, a Bíblia diz:

“Congregai o povo, santificai a congregação, ajuntai os anciãos, congregai os filhinhos e os que mamam; saia o noivo da sua câmara, e a noiva, do seu tálamo.”

João escreveu aos pais e aos jovens em uma só carta (I João 2: 13-14). A Bíblia diz que a igreja primitiva “era um só coração e uma só alma” (Atos 4: 32).

O Dr. Martin Lloyd-Jones disse:

“Costumamos dividir-nos em pessoas jovens, de meia idade e idosas. Não vemos essas divisões na Igreja Primitiva; os cristãos eram todos um. As diferenças de idade não contavam; NÃO DEVERIAM CONTAR ATUALMENTE.” (O LEGADO DE DR. MARTIN LLOYD-JONES, Ian H. Murray, p. 54).

Em lugar dos departamentos de empresa, os anabatistas têm grupos familiares (igreja nas casas - Atos 2:46;  Atos 5: 42; Atos 20: 20;  Romanos 16: 5;  I Cor. 16: 19;  Filemon 2). Nessas reuniões, há oportunidade para a manifestação de dons espirituais e edificação mútua ( I Cor. 14: 26). Há participação, comunhão, edificação, esclarecimento de dúvidas e aconselhamento. Todos são abençoados por todos. Isso é a igreja que Jesus Cristo deixou!

Pastor Glauco Barreira M. Filho (26.08.2010)