Crédito da imagem: Heberth Ventura
Depois da globalização, houve um maior diálogo cultural no mundo. As nações, por outro lado, perderam sua homogeneidade interna e se tornaram cada vez mais heterogêneas ou pluralistas.
A “diferença” tornou-se sinal de maturação dentro desse novo contexto, fazendo aparecer o “direito à diferença”. Por outro lado, fórmulas para convivência pacífica entre os diferentes eram necessárias. Para que os diferentes se tornassem iguais ou tivessem pontos em comuns, certas palavras que tinham um sentido preciso passaram a ter significado tão amplo que elas se tornaram fluídas ou ambíguas. O objetivo disso era a mesma palavra servir a discursos diferentes, fazendo parecer que havia critérios de aproximação entre os tais discursos.
Um bom exemplo do que estamos falando é a noção de direitos humanos. Dentro da cosmovisão inicial em que esses direitos foram pensados, eles significavam algo bem definido (direitos inerentes à natureza humana). Hoje, quando se nega a possibilidade até de conhecer o que seja natureza humana, eles passaram a ser fórmulas vazias. Em toda parte, há discursos sobre os direitos humanos com sentidos bem diferentes. Enquanto os que são contra o aborto falam no legítimo direito à vida do nascituro, os que favorecem ao aborto falam no direito da mulher de dispor de seu corpo. Os homossexuais, por outro lado, querem apoiar seu pensamento promíscuo através da mesma noção de direitos humanos.
Toda essa situação mencionada gerou uma crise da linguagem. Uma palavra pode significar qualquer coisa. Nessa situação, a frase de Nietzsche, o profeta do nazismo, encontrou eco: “Não conheço fatos, só conheço interpretações”. Agora, tudo é interpretável, nada é preciso ou definido. Essa teoria não é uma descoberta do que sempre foi, mas uma teoria para o que se criou agora.
Esse problema da crise da linguagem é mais antigo na religião do que no mundo, pois o movimento ecumênico (que procurava unir grupos religiosos bem diversos, como o catolicismo e o protestantismo) e o liberalismo teológico (que procurava tornar a mensagem religiosa interessante ao mundo moderno) antecederam o fenômeno atual de globalização e a noção de pluralismo ético como um valor a ser sustentado.
Em razão do ecumenismo e do liberalismo, os termos teológicos foram adquirindo sentidos amplíssimos. Grupos passaram a acordar sobre doutrinas como a da justificação pela graça, mas entendiam diversamente o que era justificação e o que era graça. Certos termos bíblicos foram utilizados, mas significando não o que a Bíblia dizia, mas, sim, o que era interessante para o mundo moderno.
Diante de tudo isso, muitos estão dizendo que a Bíblia é suscetível de várias interpretações, que não há sentido objetivo na Escritura. Tudo isso é uma negação dos postulados básicos da Reforma Protestante.
O diabo causou a bagunça para desacreditar a possibilidade de uma legítima interpretação da Palavra de Deus. De fato, se formos levar em conta o sentido que os termos bíblicos passaram a ter em vários discursos, não encontraremos senão critérios pragmáticos para preferir um ao outro. Lutero, porém, já nos deu a solução para o problema quando disse que a Bíblia era intérprete de si mesma. Nós temos que entrar no mundo bíblico para compreender o que as palavras significavam dentro dele.
Quando nós começamos a ler a Bíblia, há uma fusão entre o nosso horizonte contemporâneo e o horizonte bíblico. Cabe a nós permitir que o horizonte bíblico triunfe sobre o nosso horizonte atual. Foi por esse caminho que Agostinho de Hipona foi escrevendo suas “Retratações” ao longo de sua vida cristã.
Não nego que sejamos influenciados pelo nosso tempo no ponto de partida de nossa interpretação da Bíblia, mas temos que nos corrigir no caminho. A Bíblia somente deve ser o nosso ponto de chegada. Conforme explicou E.D. Hirsch (“Validity in Interpretation”), há uma lógica de validação da interpretação, ou seja, há critérios que permitam saber se a interpretação é válida ou não.
Cabe a nós protestantes e evangélicos legítimos, portanto, continuar pregando a Escritura como única regra de fé e prática, bem como a existência de seu sentido intrínseco passível de ser descoberto pelo livre exame do crente piedoso.
Pastor Glauco Barreira M. Filho (29.06.2009)
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